17.10.11

As relações familiares

Por Solano Reis*

É comum, especialmente no período do questionamento e da curiosidade, que crianças de tenra idade perguntem a seus pais sobre as causas de terem nascido naquela família. Sedentos de saber buscam respostas. Muitas vezes, quando contrariados em seus interesses, os pequenos, movidos pelo impulso, chegam mesmo a afirmar que não pediram para nascer naquele meio. Surpreendidos, muitos pais calam. Ou, o que é pior, sucumbem produzindo respostas evasivas, sem conteúdo, deixando o dilema infantil em aberto, sem a solução reclamada.
A busca por respostas é do instinto humano. Foi ela quem impulsionou o homem primitivo na sua luta pela sobrevivência, no seu lento desenvolvimento das cavernas à civilização. A família está no cerne da questão. Ocupa lugar de destaque na história do progresso humano.
Representação reduzida da sociedade, a família guarda em seu íntimo variado conjunto de relações entre seres identificados pela consanguinidade, afinidade ou adoção. A convivência diária em espaço reduzido é o desafio encontrado por este grupo. O objetivo principal de todo este roteiro é o desenvolvimento de cada um dos seus membros em particular e da família como um todo.
Tolerância, auxílio mútuo, respeito à individualidade e carinho são alguns dos aspectos a serem exercitados. Como todos os seus componentes são indivíduos, seres únicos, com experiências de vivências anteriores quando cultivaram sentimentos, hábitos e tendências peculiares ao seu desenvolvimento, inevitáveis os confrontos de ideias, os desencontros e mesmo o acirramento dos sentimentos. Se bem conduzida, a convivência resultará em satisfação e alegria. Nos casos de radicalização, de intolerância e de supervalorização do interesse individual, conflitos nascidos no lar, no entanto, podem causar inclusive a ruptura dos laços, com o consequente  fortalecimento do egoísmo.
Nos momentos atuais, quando o individualismo, a competitividade extremada e a busca obsessiva pelo sucesso imperam, instalando-se um clima de permanente litígio, deixando um rastro de angústia e frustração nos indivíduos. A insatisfação diante das exigências cada vez maiores, de uma permanente cobrança por resultados, torna o homem atual um ser desconfiado e intranquilo.
A vida moderna,  exaustiva e, às vezes, extravagante, por necessidades reais e imaginárias, torna as horas físicas e mentais dos seres humanos, sobrecarregando-os de preocupações que os estressam. Com isso, apesar das conquistas, do sucesso, da construção do patrimônio, os seres não conseguem harmonizar a criatura interior.[1] 
Pais e filhos, envolvidos em suas múltiplas atividades cotidianas, pouco se encontram, pouco desfrutam da indispensável convivência diária. Investindo boa parte de suas energias na luta pelas conquistas materiais, relaxam na busca de valores transcendentais. A ilusão da conquista inebria, encanta os seres, como se fizesse sentido reduzir toda uma existência aos prazeres do transitório conforto da vida material.
Neste panorama, cabe especialmente aos pais organizar a vida familiar de tal forma que o contato entre os seus componentes seja regular e, acima de tudo, qualificado. Somente assim poderá se estabelecer o clima positivo da cumplicidade, do companheirismo e do desenvolvimento conjunto da família.
O lar, se afirma com propriedade, é a escola das almas. No ambiente doméstico, as almas se reencontram sob variados motivos (resgate, apoio, afeições, desafetos, missões) com a finalidade de estreitar os laços que as unem.[2] É no lar onde os hábitos são fomentados. Os valores adquiridos na constância da convivência familiar se estenderão por toda a existência. Dessa forma, a boa orientação proporcionada na infância, especialmente pelo exemplo, pelo amor e pelo diálogo, poupará tanto pais quanto filhos de dissabores futuros.
Nos primeiros anos de vida, o espírito reencarnado está sujeito às influências do meio familiar. Assim, pais, irmãos, tios, avós e mesmo as pessoas próximas, revestem-se de grande importância para os podem transmitir conceitos que serão assimilados pelo indivíduo. Apesar de contar com tendências, vícios e qualidades adquiridas em outras existências, o recém chegado, acometido do processo de esquecimento, está apto a um período de aprendizado.  “É nessa fase, que se estende praticamente do nascimento aos sete anos de idade, que o espírito reencarnante é mais acessível às impressões que recebe”.[3]
Entretanto, o lar não deve ser visto como um local destinado exclusivamente ao dever. Não reside em seu seio somente a obrigação e a cobrança. O espaço para a colaboração, para o entretenimento saudável deve ser preservado, sob pena da ocorrência de desgastes e acirramento dos ânimos, contribuindo para o registro de casos de intolerância e desarmonia. É, também, lugar de satisfação, de prazer e de júbilo pela convivência entre seus membros. Mesmo que ocorram dificuldades e problemas, naturais na convivência entre humanos, o relacionamento entre pais e filhos deve contar também com momentos onde os esforços são dedicados ao entendimento e à compreensão. “Por isso, é justo que possua um clima emocional agradável de equilíbrio, ao invés de ser o lugar onde as queixas e as reclamações fazem-se normais, de tal maneira que o ambiente está sempre contaminado de mau humor e de pessimismo”.[4]
Grandiosa é, pois, a tarefa que se apresenta a todos os membros de uma família. Equalizar as tendências espirituais, os choques causados pelas diferentes ideias, os sentimentos represados ao longo de outras vivências com  as necessidades e as expectativas do mundo atual é um desafio a ser vencido ao longo de uma trajetória que não está adstrita a uma só vivência corporal. Como espíritos imortais, nossa experiência não se esgota numa tentativa. Se não houver um bom desembaraço, outras vezes os mesmos indivíduos poderão se encontrar dentro do mesmo lar, podendo ocorrer providencial troca de papéis para que o exercício possa ser completado por todos.
Certo é que cada indivíduo se desenvolve no seu próprio ritmo. E não poderia ser diferente. O avanço na caminhada depende do interesse, da determinação e da formação intelectual e espiritual de cada ser. Vencendo suas paixões, aprimorando seus sentimentos, superando tendências negativas, o indivíduo cresce, se desenvolve, construindo seu próprio futuro.
A família é, além de tudo, ponto de apoio às iniciativas individuais. Nela os componentes reúnem as forças necessárias, buscam os estímulos indispensáveis para suplantar os desafios que se oferecem ao longo da existência. As vibrações oriundas das experiências colhidas no convívio familiar são indispensáveis para fomentar o voo do ser a existências mais virtuosas.
    
Referências bibliográficas:
[1] Divaldo Pereira Franco – Diretrizes para o Êxito;
[2] Joamar Zanolini Nazareth – Um desafio chamado família;
[3] Allan Kardec – O Livro dos Espíritos – Questão 383;
[4] Divaldo Pereira Franco – Constelação Familiar


*Publicado originalmente no Diálogo Espírita, da FERGS. 

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