Nossa cultura contemporânea fez do prazer “a medida de todas as coisas” e, com isso, negou ao ser humano um sentido existencial mais profundo para as dores da vida. O cristianismo, durante séculos, produziu um modo de sofrer, ou seja, ofereceu um significado para o sofrimento. Isso produziu certo conforto, a gente não deixa de sofrer, mas o sofrimento passa a ter uma significação. No entanto, o Cristianismo também não conseguir explicar com mais detalhes e profundidade os múltiplos fatores do sofrimento humano.
As angústias essenciais do Ser necessitam de significados e, na medida em que passamos a compreender melhor os mecanismos da vida, passamos a desenvolver uma espécie de cosmovisão sobre “o existir”. O Espiritismo desvelou os imperativos da vida, oferecendo um “modo de sofrer”, não no sentido compensatório, de sofrer hoje para ser feliz depois da morte, mas no sentido educacional, na medida em que os desafios servem, conforme observou Léon Denis, como: “...agentes do desenvolvimento humano.”
Estando as causas do sofrimento na atual experiência reencarnatória, conforme a forma que o sujeito direciona suas escolhas, seria relativamente clara a gênese de muitas aflições e dores vivenciadas. São situações onde a própria pessoa, quer por sua imprudência, irresponsabilidade, falta de reflexão e imaturidade, forja as raízes de seus sofrimentos mediatos, imediatos e/ou futuros. No entanto, a grande interrogação sempre esteve no sofrimento dos moderados, prudentes, equilibrados, reflexivos, amorosos, responsáveis, etc.
O Espiritismo veio oferecer suas explicações para esses casos nebulosos. Tratou de situar a experiência humana, à luz da reencarnação e das leis da vida, para além dos estreitos limites da existência física. Por isso, as ações humanas em um determinado espaço-tempo, repercutem positivamente ou não, conforme sua própria natureza, na plasmagem das contingências evolutivas (educacionais) que comporão o destino próximo ou remoto do ser espiritual em sua admirável jornada em busca por si mesmo.
Nesse sentido, o sofrimento sob qualquer aspecto, nada tem de castigo, mas funciona como um dispositivo (indutor) da vida, capaz de fazer fervilhar no mundo íntimo e consciencial, o amadurecimento que a própria vida lhe exige, face aos imperativos de seu crescimento mental e emocional. Essa explicação da filosofia espírita possui um impacto muito prático na vida cotidiana. Essa formulação poderá ajudar o indivíduo compreender que nada lhe acontece injustamente ou casuisticamente. Em tudo, por mais que tenhamos dificuldade em sabermos os detalhes no momento, há uma experiência peculiar para aquele a vivencia.
Logo, o sofrer faz parte das contingências do mundo e deveríamos ensinar para nossos filhos que isso é natural. Viver angústias e inquietações faz parte da condição do espírito humano, é “normal”, todos viverem em algum momento seus problemas, suas dores. Nem por isso as pessoas de modo geral, buscam se drogar, se desequilibram ou se deprimem. E quando o fazem isso repercute na produção de mais sofrimento! Portanto, somos os articuladores de nossa felicidade ou desdita e, diariamente estamos modelando as angulações do nosso futuro.
Também nesse aspecto a fé racional traz o seu contributo, pois ela, em tese, tranquiliza e acalma o sujeito através do nível de aclaramento que proporciona. É bem verdade que, cada pessoa, possui uma forma própria de metabolizar o conhecimento espírita, o que é muito natural. Ainda assim, é importante lembrarmos a questão 943 de O Livro dos Espíritos:
Donde o desgosto da vida, que, sem motivos plausíveis, se apodera de certos indivíduos?
“Efeito da ociosidade, da falta de fé e também, da ociosidade. Para aquele que usa de suas faculdades com fim útil e de acordo com as suas aptidões naturais, o trabalho nada tem de árido e a vida se escoa mais rapidamente. Ele lhe suporta as vicissitudes com tanto mais paciência e resignação, quanto obra com o fito da felicidade mais sólida e mais durável que o espera.” [Grifos meus]
Partindo da premissa de que a “falta de fé” é um dos fatores que conduzem a um estado de desgosto da vida e, portanto, de infelicidade, a construção da fé racional representaria, então, um valioso suporte para o exercício consciente da paciência e resignação. Devemos lembrar, todavia, que o sentido de resignação no Espiritismo, reveste-se de um verdadeiro dinamismo. A fé racional em nenhum momento deverá refletir um estado de passividade e conformismo diante das vicissitudes da experiência humana.
A resignação dinâmica produz uma postura de equilíbrio pessoal, e de ação, na busca pelos recursos plausíveis, seja para superar ou mesmo atenuar os sofrimentos e aflições. É ultrapassar o discurso conformista do “Deus quis assim!”, assumindo uma postura de responsabilização pessoal pelo que nos acontece, direta ou indiretamente. Logo, conforme informaram os espíritos a Kardec, na questão 964 de O Livro dos Espíritos, Deus não se preocupa com cada um de nossos atos, para nos repreender ou recompensar. Ele criou Leis que regem a dinâmica da vida, na sua expressão física e espiritual. Somos felizes quando nos firmamos nessas Leis e sofremos os resultados naturais quando delas nos afastamos.
Mesmo quando não houver, nessa existência, possibilidade de uma reversão integral da problemática vivida, a exemplo do indivíduo que perde uma perna, que fica paraplégico, dentre outros, permanecerá robustamente a convicção na temporalidade dessa experiência, que é, justamente, uma condição de tempo mais ou menos breve. Seguirá o sujeito, observando os seus limites temporários, mas também suas possibilidades de auto-superação, descobrindo dentro de si mesmo, forças insuspeitadas que lá estavam latentes.
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