10.6.12

Mutações: a condição humana


Por Jerri Almeida

A aspiração por uma sociedade mais justa e feliz, esteve presente em vários momentos, na história do pensamento ocidental. O humanista inglês, Thomas More, ao escrever seu livro A Utopia, no século XVI, imaginou uma ilha aonde seus habitantes viviam felizes, num sistema social justo e sábio, retomando a ideia da república em Platão. Condorcet, no final do século XVIII, havia escrito nas páginas de seu Tableau, dez etapas para o avanço triunfal da humanidade, rumo à ciência, à sabedoria e à felicidade.  Mais tarde, Victor Hugo, em sua magistral obra: Os Miseráveis, de 1862, escreveu: “Cidadãos, o século XIX é grandioso, mas o século XX será feliz [...]. Não se terá mais a temer a fome e a exploração, [...] a miséria, as batalhas e todas as rapinagens do acaso na floresta dos acontecimentos. Poder-se-ia quase dizer: não haverá mais acontecimentos. Seremos felizes.[...]”. Havia um imaginário, um otimismo literário no tocante aos avanços e promessas de um mundo melhor, trazido pelo desenvolvimento científico.

Atravessamos os portais da história e chegamos ao século XXI, triunfantes na inteligência mas, vivendo os inúmeros dilemas e mutações de um mundo que aspira renovação. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, afirmou que a maneira como a sociedade atual molda seus membros é ditada, acima de tudo, pelo dever de consumir, associado a uma cultura que preconiza o individualismo. Bauman considerou que há uma ressonância natural entre o estímulo para se viver o “agora”, ocasionada pela tecnologia compressora do tempo, e a lógica da economia orientada para o consumidor.[1]
Continuadamente exposto a novas tentações, num estado de constante excitação, o ser humano da sociedade pós-globalizada, vive sua constante insatisfação. Vivem-se ávidos por novas atrações e sensações e, logo que estas são satisfeitas, outras necessidades surgem sedutoras, convidando os indivíduos a um novo consumo.
Apesar dos avançou da biotecnologia e da tecnociência, vivemos confinados ou encarcerados em burgos modernos, diante da necessidade de segurança, posto que a violência atinge, em escala planetária, níveis alarmantes. O consumidor é consumido pela cultura que induz ao individualismo e menospreza o valor da condição humana. Nada, estranho, portanto, que a depressão, a insônia e outras patologias ocupem lugar de destaque no cotidiano de tantas criaturas.
Recentemente, um grupo de pensadores, do Brasil e de outros países, reuniu-se num evento intitulado: “Mutações: A condição humana”[2]. Psicanalistas, filósofos, críticos de arte, sociólogos, analisaram as novas configurações do mundo atual. Algumas conclusões podem ser destacadas: o homem contemporâneo vem perdendo sua imagem, ou seja, nossa civilização vive uma espécie de crise de identidade, mergulhada num vazio, onde concepções políticas,  crenças, ideias, referenciais, que antes pareciam dar sentido a existência, perdem o seu valor.[3]
A sociedade ocidental, vivendo seus impasses mutações e possibilidades, vem atravessando diversos ciclos, notadamente, sob a égide de um pragmatismo materialista. O Ocidente se tornou “cristão”, mas – para usarmos uma expressão de Signates – não se “cristianizou”. Atingimos, nesses tempos de pós-modernidade, o fenômeno da mundialização da comunicação e da hipercomputação, os avanços da biotecnologia, e, mesmo assim, onde está o homem? 
Para Novaes: “[...] estamos na confluência de dois mundos, um que não acabou inteiramente e outro que ainda não começou inteiramente e, por isso, as velhas definições e conceitos tornam-se inoperantes.” [4] Vivemos uma qualificação da técnica e uma desqualificação da sensibilidade. Isso, de certa forma, nos leva a uma ruptura com a ideia de civilização construída sob a égide do estágio hegemônico da técnica, para vislumbrarmos uma ideia de civilização centrada no humano, na sensibilidade e nos sentimentos.
Os mais pessimistas poderão pensar numa “quase-morte do sujeito”, onde a noção de verdade, de esperança, as ideologias, estariam solapadas pela ruptura com um tempo linear, uma vez que se vive no Time is money ou Moneyteísmo.  Tudo é veloz e volátil e a noção de tempo se fixa, exageradamente, no presente. A grande tragédia do homem pós-moderno, é a de ter perdido o endereço de si mesmo. Apesar de tudo, o espírito continua sendo o fundamento da vida! É necessário retomarmos um otimismo espiritual, não utópico, mas fundamentado numa consciência que agrega, solidamente, o saber físico e metafísico, resgatando o papel do sujeito, espírito imortal e pluriexistencial.
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[1] BAUMAN, Zygmunt. Globalização. As consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. p. 88,89.
[2] Evento realizado na UFRS e contou com um ciclo de 10 conferências, entre 11 a 22/05/ 2009.
[3] Cf. NOVAES, Adauto. As novas configurações do mundo. In. Caderno Cultura. Jornal Zero Hora. Porto Alegre, sábado 16/05/2009. Pág. 02.
[4] Idem.

Outros textos de Jerri Almeida na net: http://jerrialmeida.blogspot.com.br




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